Quando o Trabalho Adoece e a Omissão Permanece: Lições da Fiscalização em Jaguapitã-PR
- Observatório Frigoríficos
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Fernando Mendonça Heck - Professor de Geografia no Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e pesquisador do Obagro.
23 de setembro de 2025
Nas últimas semanas vários meios de comunicação noticiaram a chamada “Operação Risco Oculto”, ocorrida na cidade de Jaguapitã no norte do estado do Paraná e realizada com a parceria de diversos órgãos fiscalizadores como: Ministério Público do Trabalho (MPT), Receita Federal, Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Advocacia-Geral da União (AGU), Ministério Público do Paraná (MP-PR), Polícia Militar e Corpo de Bombeiros.
A fiscalização abrangeu um frigorífico local e encontrou dados, no mínimo alarmantes[1]: a) a empresa possui 700 casos de afastamentos com nexo técnico epidemiológico (NTEP) – quando existe relação entre uma doença ou acidente e a atividade econômica da empresa – mas reconheceu junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), apenas 140 casos; b) desde 2021 o frigorífico foi alvo de 2925 ações trabalhistas e somente no ano de 2025 foram 400; c) constatou-se que há setores na empresa em que o ruído ultrapassa 85 decibéis, mas não recolhe adicional de insalubridade e questões tributárias relacionadas a este risco; d) alguns setores foram interditados como, por exemplo, o sistema de refrigeração por amônia.
Mas, uma questão chama a atenção nesta fiscalização: o fato de que a subnotificação dos acidentes de trabalho fora tratada como omissão. Para quem pesquisa a temática da saúde do(a) trabalhador(a) essa constatação não é nenhuma novidade, mas para a sociedade em geral esse assunto é desconhecido ou pouco debatido. Tê-lo como foco é importante para alertar a sociedade para a gravidade da subnotificação dos agravos à saúde dos(as) trabalhadores(as).
Antes de começar, é preciso recuperar alguns aspectos. O sistema de registros de acidentes de trabalho no Brasil tem, na Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), sua fonte primária. A emissão da CAT depende fortemente da notificação por parte das empresas que, devido às consequências sociais, econômicas, jurídicas e políticas, tendem a evitar esses registros. Albuquerque et al. (2021), por exemplo, levantaram dez pontos que explicam por que há fortes indícios de sonegação na emissão da CAT por parte dos setores empresariais[2]. Além disso, no artigo citado, os autores defendem que a criação do NTEP representou um avanço e maior consistência no reconhecimento, pelo INSS, de casos de doença ou lesão associados a determinados processos produtivos, garantindo benefícios aos trabalhadores mesmo quando a empresa não efetivou o registro da CAT.
Assim, o caso de Jaguapitã é preocupante e, ao mesmo tempo, confirma as afirmações da literatura que analisam os acidentes e doenças do trabalho no Brasil. Observar que 560 casos foram reconhecidos pelo NTEP — e não pelas empresas —, representando 80% dos acidentes de trabalho registrados, reforça a importância dessa metodologia, sobretudo quando o registro do acidente não fica restrito à emissão da CAT. Trata-se de um avanço considerável no enfrentamento da subnotificação. Do mesmo modo, a situação preocupa, pois a situação dos trabalhadores e trabalhadoras de frigoríficos continua sendo difícil ao enfrentar ritmos de trabalho impostos nas linhas de produção que continuam sendo incompatíveis com a saúde e segurança do trabalho.
Se focarmos nos dados do Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho (ODSST)[3] sobre os afastamentos previdenciários do INSS em Jaguapitã, observa-se que eles corroboram o que foi verificado na fiscalização. Constatou-se que:
a) entre 2012 e 2024, a atividade de abate de aves, suínos e outros pequenos animais, em comparação a todos os demais setores econômicos do município, lidera os afastamentos, sejam eles B91 (relacionados ao trabalho) ou B31 (auxílio-doença comum);
b) essa mesma atividade econômica responde por 47,1% dos afastamentos B91 e 43,8% dos B31 no mesmo recorte temporal;
c) no mesmo período, de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID), os afastamentos associados ao abate de aves, suínos e outros pequenos animais foram liderados por doenças osteomusculares e do tecido conjuntivo, fraturas e transtornos mentais e comportamentais.
Tudo isso indica que há fortíssimos indícios de que o trabalho em frigoríficos tem resultado em agravos à saúde, que infelizmente continuam sendo subnotificados. Em minhas pesquisas, tenho identificado a necessidade de demonstrar que os acidentes de trabalho não são situações ocasionais e fortuitas que ocorrem nos denominados ambientes de trabalho. Pelo contrário, defendo que as situações que geram agravos à saúde do(a) trabalhador(a) são a regra, pois os lugares onde o trabalho é executado têm como objetivo o processo de valorização do capital e não a promoção da saúde do sujeito que trabalha. Assim, esses ambientes de trabalho, como os frigoríficos, não podem ser vistos como meros espaços onde o trabalho é executado, mas como territórios da degradação do trabalho, nos quais a organização laboral, o cumprimento de metas, a velocidade da linha de desmontagem de animais, dentre outros aspectos, afetam a saúde física e mental dos trabalhadores e trabalhadoras.
Como mudar essa situação? Um dos primeiros passos é a realização de fiscalizações que busquem adequar os processos de trabalho e punir as irregularidades. Outro passo é combater a subnotificação dos acidentes de trabalho, como a própria fiscalização em Jaguapitã fez. Tais iniciativas, mesmo que não resolvam por completo os problemas apontados, contribuem para que as situações de agravos à saúde do(a) trabalhador(a) sejam debatidas pela sociedade. Essas iniciativas são fundamentais, pois se conectam aos objetivos maiores da classe trabalhadora de construir verdadeiros ambientes de trabalho que não representem agravos à sua saúde física e mental.
[1] Para verificar as informações divulgadas cito dois artigos: 1)https://g1.globo.com/pr/norte-noroeste/noticia/2025/09/02/frigorifico-investigado-acidentes-de-trabalho-no-parana.ghtml 2) https://www.prt9.mpt.mp.br/procuradorias/ptm-londrina/2421-operacao-risco-oculto-verifica-condicoes-de-seguranca-de-trabalhadores-em-frigorifico-no-interior-do-parana.
[2] Ver o artigo completo em: https://www.scielosp.org/pdf/csp/2021.v37n5/e00191119/pt.
[3] Ver dados em: https://smartlabbr.org/sst. Acesso em 23 set. 2025.